Crônicas do "Da C.I.A"

Friday, April 13, 2007

Uma questão de estado ( Carta ao Leitor, VEJA )

Carta ao leitor publicada na edição de 14/03/07, edição 1999.
"Uma questão de estado

A partir desta edição VEJA passará a grafar a palavra estado com letra minúscula. Se povo, sociedade, indivíduo, pessoa, liberdade, instituições, democracia, justiça são escritas com minúscula, não há razão para escrever estado com maiúscula. Os dicionaristas aconselham o uso de capitular quando a palavra for usada na acepção de "nação politicamente organizada", como prescreve o Aurélio. Seu rival Houaiss também assevera que estado nesse sentido se grafa com maiúscula. Vale a pena contrariá-los.

Escrever estado com inicial maiúscula, quando cidadão ou contribuinte vão assim mesmo, em minúsculas, é uma deformação típica mas não exclusivamente brasileira. Os franceses, estado-dependentes, adoradores de seu generoso cofre nacional, escrevem "État". Os povos de língua inglesa, generalizando, esperam do estado a distribuição equânime da justiça, o respeito a contratos e à propriedade e a defesa das fronteiras. Mas não consideram uma dádiva do estado o direito à boa vida material sem esforço. Grafam "state".

Com maiúscula, estado simboliza uma visão de mundo distorcida, de dependência do poder central, de fé cega e irracional na força superior de um ente capaz de conduzir os destinos de cada uma das pessoas. O escocês Adam Smith (1723-1790) nunca escreveu a palavra capitalismo. O inglês Thomas Hobbes (1588-1679) não utilizou a palavra estado. Ambos, porém, são associados a esses termos. Smith, autor de A Riqueza das Nações, como o primeiro pensador a explicar o funcionamento da economia capitalista. Hobbes, com seu Leviatã, como pioneiro na denúncia do estado pantagruélico. Foi, na verdade, defensor de uma instituição capaz de livrar a sociedade do estado permanente de guerra entre os indivíduos, uma "entidade soberana" – em minúsculas, recomendava Hobbes, que escrevia Lei sempre com capitular.

Grafar estado é uma pequena contribuição de VEJA para a demolição da noção disfuncional de que se pode esperar tudo de um centralismo provedor. Em inglês grafa-se "Eu" sempre em maiúscula, na entronização simbólica do indivíduo. Não o faremos. Nem vamos tirar a capitular da palavra Deus. A tentativa é refletir uma dimensão mais equilibrada da vida em sociedade, como a proposta pelo poeta francês Paul Valéry (1871-1945): "Se o estado é forte, esmaga-nos. Se é fraco, perecemos". "

Chapa-branca, tarja preta, luz vermelha ( Nelson Motta )

Coluna de Nelson Motta na Folha de São Paulo do dia 06/04/2007 ( originalmente aqui )

"RIO DE JANEIRO - Lula sonha 24 horas por dia com uma TV pública que não pinte a realidade de cor-de-rosa ou a distorça, como fazem as TVs que estão no ar. A nova TV não pode ser assim. Pode ser bem pior.
Como seria essa TV dos sonhos de Lula? O que ele gostaria de ver que ainda não exista? A Tribuna Sindical? O Show dos Oprimidos? O BBB dos sem-terra? Que opções de informação e entretenimento faltam nas atuais TVs privadas e estatais que só ela poderá oferecer? O público é ingrato: entre as mínimas audiências da esforçada TV Cultura, as maiores são de desenhos animados, todos estrangeiros.
Como os melhores profissionais da televisão brasileira estão nas emissoras privadas, porque pagam melhor e dão melhores condições de trabalho, quem vai fazer a nova TV? Não bastam ideologia e boa vontade, além de verbas públicas, para fazer uma BBC.
É uma pena que a emissora ainda não esteja no ar para que se pudesse acompanhar uma cobertura isenta da crise aérea. Não ficaríamos à mercê das mentiras e do sensacionalismo das emissoras comerciais e da grande imprensa, ampliando a crise para prejudicar o governo Lula e os companheiros controladores de vôo.

Teríamos imagens alternativas às cenas dantescas dos aeroportos, veríamos os seis meses de esforços do governo, ouviríamos os comentários de Zé Dirceu. Waldir Pires poderia expor, em rede nacional, suas idéias geniais sobre os problemas da aviação civil e da defesa nacional. Mas quem veria?
Ver ou não ver, eis a questão-chave da televisão. Quando Lula diz que "não interessa se der meio ou zero de audiência", é uma bravata que nos sai cara: se ninguém vê, é dinheiro público no lixo.
Mas, com a nova TV, virá a democratização da informação: todos poderão não vê-la. "