Crônicas do "Da C.I.A"

Monday, January 28, 2008

Populismo e despreparo - ( Ives Gandra da Silva Martins - Folha de São Paulo, 28/01/08 )

COLHE O mundo, atualmente, uma notável safra de pseudolíderes, populistas e despreparados, que conduzem nações mais ou menos desenvolvidas exclusivamente baseados no poder de comunicação com o povo, principalmente com a parcela menos favorecida.
Partem do princípio de que, para os políticos, "as promessas que fazem só comprometem os que as recebem" -como dizia Roberto Campos, que muitos nem sequer conheceram. Foi o que ocorreu quando o presidente Lula, a fim de ver aprovada a DRU no Senado, prometeu à oposição e ao povo que não iria lançar pacotes tributários nem aumentar tributos, mas, dias depois, descumpriu o prometido.
Na mesma linha, o histriônico presidente venezuelano -capaz de criar desnecessárias resistências por ser incapaz de controlar seus repentes e ofensas- transforma o narcotráfico colombiano e sua indústria de seqüestros em "idealística" guerrilha.
Começa, porém, em sua democracia de um homem só, a sentir as resistências de um povo cansado de ver que o governo tem dinheiro em excesso, por força de sua monoeconomia (petróleo), mas, curiosamente, no país tudo falta e a inflação explode.
O certo é que a "democracia" de um presidente despreparado, que pretende ser perpétuo, periclita na Venezuela.
O mesmo se pode dizer de Morales, que também pretende se perpetuar no poder e que começa, com sua enciclopédica e truculenta ignorância, a dividir a nação. Lá também a democracia corre risco.
É de lembrar que os três presidentes são amigos de um ditador que, de acordo os dados internacionais, fuzilou, sem julgamento -os homicídios perpetrados nos famosos "paredóns"-, muito mais pessoas que Pinochet, mas que, no entanto, nenhum juiz espanhol ou italiano pretende levar aos tribunais internacionais.
Nada obstante devessem os dois, de há muito, terem sido condenados, pelas mortes que causaram, pelos tribunais de seu tempo -pois, pelo tribunal da história, já estão julgados no mesmo nível de Hitler, Mussolini e Stálin-, a única diferença entre esses assassinos (Fidel e Pinochet) é que o Chile progrediu mais do que Cuba.
A Ásia não fica distante das Américas, sob esse aspecto. O presidente do Paquistão tem na força do Exército sua sustentação contra a vontade popular, sendo notória a sua omissão na proteção devida à sua concorrente, Benazir Butto, lamentavelmente assassinada em plena campanha para desbancá-lo do poder.
O continente todo passa por momentos de conturbação. O Oriente Próximo continua um barril de pólvora em que a democracia é um sonho distante.
Da África, nem há o que falar, sendo os recentes episódios do Quênia uma triste reincidência das pretéritas lutas tribais, de cruel violência.
A Europa se isola dos problemas extracontinentais, e os Estados Unidos, depois da desastrada presidência de George W. Bush, responsável pela morte de 151 mil civis no Iraque, corre o risco de votar num outro populista despreparado para conduzir seus destinos, em um momento em que sua economia dá sinais de decadência.
Neste mundo atormentado por falsas lideranças e fantástica mediocridade política, creio que valeria a pena retomar a idéia -que propus em meu livro "O Estado de Direito e o Direito de Estado", em 1977- de uma "escola de governo" em nível de primeiro grau para os cargos municipais, de segundo grau, para os cargos estaduais, e universitário, para os cargos federais, na qual se preparariam líderes para dirigir a nação.
Arthur Lahl, embaixador da Índia na ONU, chegou inclusive a pensar numa "Universidade Mundial", em 1970, para a preparação de líderes internacionais. Tanto na minha proposta como na de Lahl, os governos financiariam tais escolas (Brasil e ONU), sem ônus para os que se sentissem vocacionados e fossem aprovados em exame vestibular.
De alguma forma, é o que a Escola de Comando e Estado-Maior do Exército, nos cursos do CPEAEx, faz com os coronéis em via de serem indicados ao generalato, que passam um ano inteiro estudando na praia Vermelha os grandes problemas nacionais e mundiais antes de sua eventual promoção.
Creio que é o momento de a sociedade exigir a melhor preparação de seus líderes, objetivando fazer o Estado servir à sociedade, e não a sociedade aos governos.

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IVES GANDRA DA SILVA MARTINS , 72, advogado, professor emérito da Universidade Mackenzie, da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército e da Escola Superior de Guerra, é presidente do Conselho Superior de Direito da Fecomercio e do Centro de Extensão Universitária.

Friday, January 18, 2008

A nova cabeleira do Zezé ( Nelson Motta, Folha de São Paulo, 18/01/08 )

SALVADOR - Uma das mais legítimas aspirações do ser humano é se tornar mais belo, aos seus próprios olhos e diante das fêmeas e dos machos da espécie. Zé Dirceu é humano, tem pleno direito de querer ficar mais bonito e, como homem de esquerda, sempre acreditou que os fios justificam os meios.
O Brasil não é só o país da piada pronta do Zé Simão, também está virando o da metáfora pronta. Como essa, político-capilar, estrelada por Dirceu, tirando fios de cabelo da nuca e reimplantando-os na vasta e brilhante testa.
O velho guerreiro vai voltar à cena com o seu velho topete. Zé Dirceu sempre foi topetudo, e se orgulhava de ser chamado de "Alain Delon dos pobres". Até como galã, Dirceu já mostrava uma opção preferencial pelos pobres, embora suas fãs fossem as jovens universitárias das elites brancas: a nobre calça e a cabeleira rebelde se completavam.
Na guerra do mensalão, Dirceu se descabelou. Na solidão de sua sala no Planalto, arrancava os cabelos em fúria e desespero, até finalmente cair em desgraça, semicareca e acusado de ser o chefe de uma quadrilha que cometeu crimes cabeludos contra a democracia. Sua voz e seu sotaque continuaram os mesmos, mas os seus cabelos... E Dirceu ainda teve o topete de dizer que não sabia de nada.
Ao resgatar remotos cabelinhos rebeldes da nuca histórica e reimplantá-los na devastada testa pós-queda, Dirceu sinaliza para a militância que é hora de tomar as ruas e arrepiar, fazer onda, encrespar. Alisar e amaciar, jamais. E denuncia que o mito de que, "na hora do aperto, é dos carecas que elas gostam mais" é armação da direita disfarçada de marchinha de Carnaval.
E o "corta o cabelo dele!" da "Cabeleira do Zezé" é uma palavra de ordem fascistóide da imprensa golpista.

Mente Fértil ( Editorial da Folha de São Paulo, 18/01/08 )

UM DESERTO de homens e idéias: por muito tempo, o Brasil foi visto desse modo, aliás injustamente. Seja como for, o ministro de Assuntos Estratégicos, Roberto Mangabeira Unger, parece mais do que nunca disposto a ocupar esse deserto por conta própria.
Desembarcou na Amazônia nesta terça-feira, fumegando de propostas para a região. Impostos, educandários e aquedutos brotavam da sua mente fértil.
Por que não um aqueduto? Por que não vários? Transamazônicas líqüidas, velozes, atravessavam as visões do ministro. Desembocariam no árido Nordeste. A teoria ungeriana é clara, límpida, desconcertante. "Numa região, sobra água, inutilmente. Na outra região, falta água, calamitosamente."
Diante do torrencial igualitarismo do projeto, até a dispendiosa e polêmica transposição do rio São Francisco parece modesta. O que faria seu adversário mais célebre, frei Luiz Flávio Cappio, se confrontado com o portentoso mangabeiroduto? Houve quem considerasse sua greve de fome um ato comparável aos de um profeta do Antigo Testamento. Talvez ao religioso só restasse prosternar-se, contrito, diante das inspirações superiores de Mangabeira, ao mesmo tempo Moisés e faraó, Netuno e Curupira.
A ministra do Meio Ambiente guarda silêncio. A prefeita de Santarém lembra que antes dos aquedutos seria interessante prover de água encanada os domicílios da região.
Nosso Doutor Fantástico viajou em companhia de 35 assessores. O desperdício da missão só é menor do que o desperdício dos neurônios, certamente preciosos, do professor da Universidade Harvard.