Crônicas do "Da C.I.A"

Monday, September 17, 2007

A versão e a lógica - Miguel Reale Júnior, 06/05/01- Folha de São Paulo

A versão e a lógica
MIGUEL REALE JÚNIOR


Diante das contradições existentes no "affair" violação do painel eletrônico do Senado, mantidas pela acareação, é necessário recorrer à lógica e ao bom senso para tentar alcançar, a partir de indícios, a verdade dos fatos.
Os indícios são elementos conhecidos da realidade, a partir dos quais, em trabalho indutivo-dedutivo e segundo os dados da lógica, alcança-se a descoberta de fato não conhecido diretamente.
Constituem, portanto, os indícios, dados de fato, certos quanto à sua existência, que, coordenados logicamente, segundo as categorias da inteligência humana, dada sua qualidade e quantidade, apontam, de forma unívoca, a realidade ignorada. Os fatos incontroversos e incontestados, tomados como base para raciocínios, conspiram, porém, contra a versão apresentada pelos senadores Arruda e Antonio Carlos Magalhães.
Um dado fundamental, a partir do qual se devem estabelecer deduções com base na lógica e no bom senso, tido, portanto, como um indício, pois certo e incontestado pelas partes envolvidas, consiste na mobilização à noite de funcionários do Prodasen e até mesmo no chamamento de técnico alheio aos quadros do órgão para viabilizar a quebra posterior do sigilo. Outro dado de relevo está no extremo cuidado tomado pela diretora do Prodasen de, ao ter nas mãos a lista da votação, não a ler e imediatamente colocá-la no envelope pardo, remetido ao senador Arruda.
Essa tarefa perigosa de preparar a violação do sigilo, somada à tensão de ter em suas mãos papel altamente comprometedor do cumprimento dos deveres funcionais, sabendo estar praticando grave falta disciplinar, em afronta à norma fundamental do sigilo do voto dos senadores em matéria de cassação de um de seus pares, tudo teria se dado, segundo os senadores Arruda e Antonio Carlos, por iniciativa exclusiva da diretora, como reafirmaram na acareação.
Teria, então, a diretora do Prodasen, na versão dos senadores, tentado mostrar boa vontade prestando um serviço, de alto risco, que não lhe fora solicitado nem suscitado como desejado.
Ora, será que esses fatos conhecidos permitem que se chegue, pela lógica, à conclusão de que não houve nenhuma determinação dos senadores, em especial do presidente da instituição, para que fosse preparada a operação de violação e que esta se realizasse, com o envio da lista para seu conhecimento?
Se se admitir que não houve solicitação dos senadores, como reiteram veementemente, é forçoso concluir que a conduta ilícita da diretora do Prodasen foi gratuita, nascida de seu ímpeto pessoal como dedicada funcionária, que não teve pudor de envolver vários técnicos para arriscar a possibilidade de satisfazer os senadores que indagaram se o sistema não poderia ser violado.
Esta gratuidade na prática do ilícito, no estilo do personagem de André Gide, obriga a que se conclua que, em vez de responder à indagação, a diretora teria resolvido, especialmente com relação à cassação de Luiz Estevão, realizar um teste e comprovar a insegurança do sistema. E mais, para deixar o teste materialmente concretizado, a diretora do Prodasen, Regina Borges, imprime a lista de votação e, sem responder à indagação por qualquer forma usual de comunicação, prefere responder com o fato bruto consumado: envia a lista da votação de cassação de Luiz Estevão.
Assim, o dado conhecido só conduz à revelação lógica da inexistência de ordem de violação por parte dos senadores se se acolher a inverossímil tese da gratuidade da prática ilícita nos moldes acima apontados. Só uma irresponsabilidade sem limites da diretora do Prodasen explica a explicação dos senadores.
Essa gratuidade só se justifica se a dra. Regina for irresponsável. Mas foge à lógica que a diretora do Prodasen seja tida por irresponsável e ao mesmo tempo o senador Antonio Carlos finalize sua participação na acareação reproduzindo palavras dela elogiosas e de grande respeito a ele. E este juízo de valor da dra. Regina só é válido se for ela responsável, o que faz cair por terra a versão fantástica apresentada pelos senadores.
Há, contudo, outros dados que não se casam com a pretendida atribuição de exclusiva responsabilidade da diretora pela violação. O primeiro dado diz respeito ao fato de o senador Arruda, "surpreendido" com a lista que recebera da diretora do Prodasen, lista que nem sequer insinuara desejar, ter imediatamente procurado o presidente do Senado para lhe mostrar o corpo de delito, que passou a ser detidamente analisado.
Ora, se havia surpresa quanto à lista, o lógico seria o senador Arruda procurar, sim, o presidente do Senado, mas para denunciar a ocorrência de fato grave, a devassa do registro de votação, e não para tecerem juntos comentários, lendo a lista que deveriam ter se omitido de ler, em respeito ao sigilo, cuja violação deveria ficar restrita à irresponsável diretora. Dessa forma, não se tornariam, como se tornaram, também eles autores da violação. Se confessadamente leram e tomaram conhecimento do conteúdo da devassa, saber o quadro de votação era o verdadeiro objetivo de ambos.
Outro fato relevante relaciona-se ao comportamento posterior do senador Antonio Carlos Magalhães, ao ir ao Ministério Público Federal e em conversa com os procuradores demonstrar poder por conhecer a lista de votação na cassação de Luiz Estevão, revelando até qual teria sido o voto de uma senadora.
Essa atitude é incompatível com a reação de destruir a lista por razões de Estado, que o levaram, também, a não tomar medidas repressivas à grave infração praticada. A preocupação, por outro lado, com a imagem da instituição não se compadece com a ausência de medida preventiva impeditiva de novas invasões do painel; medidas que poderiam ser tomadas sem alarde e conhecimento público, para garantir, dessa forma, que não viessem a ocorrer outros fatos similares. A circunstância do telefonema à diretora do Prodasen contraria a indignação que, por razões de Estado, deveria assomar à cabeça de um presidente do Senado diante da violação do sigilo dos votos de seus pares.
Por fim, admitida a hipótese de não ter participado como mandante ou instigador da violação do painel, é forçoso concluir que apenas o interesse próprio -a mantença do resultado favorável à cassação- e não o interesse superior da instituição torna compreensível a completa omissão em face do ocorrido. As versões apresentadas na acareação pelos senadores apenas reforçaram o que já era claro após seus depoimentos na Comissão de Ética do Senado, isto é, que suas "explicações", de forma irremediável, se confrontam com a lógica.

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