Crônicas do "Da C.I.A"

Tuesday, March 13, 2007

Análise: "Algumas retrospectivas", Rose Neubauer

O texto que segue está disponível em http://www.crmariocovas.sp.gov.br/prg_l.php?t=001. É uma defesa da Progressão Continuada feita com unhas, dentes e pouquíssimo tutano. O texto é longo e virá da seguinte forma: Texto original com formatação normal e comentários meus em azul.

"Algumas retrospectivas

No início do século XX ficou evidente que as escolas não poderiam continuar convivendo com relações pedagógicas tão autoritárias como as até então existentes, herdadas de modelos pedagógicas absolutamente ultrapassados. O que elas pressupunham? Que a criança não passava de um homúnculo com todas as habilidades e competências de um adulto, portanto, responsável pelo seu processo de aprendizagem. Para essas velhas teorias o centro da aprendizagem era o professor, o rei-sol, onisciente, e os alunos, passivos e mudos, deveriam gravitar ao seu redor. A disciplina em sala de aula deveria ser mantida a qualquer preço e os castigos físicos, a palmatória, a genuflexão sobre o milho, bem como as humilhações psicológicas, as famosas orelhas de burro colocadas no aluno que ia mal, imitavam as relações autoritárias e anti-democráticas existentes entre o poder e os seus súditos, assim como entre pais e filhos. Este clima de terror era coroado com a famosa reprovação em massa. O bom professor, pasmem, era aquele que reprovava muitos alunos e a escola, bem como o professor, eram eximidos de qualquer responsabilidade pelo fracasso escolar. Esse comportamento punitivo chegava mesmo às raias do exagero de reprovar um aluno por um simples décimo, inviabilizando muitas vezes toda a vida escolar futura de um jovem ou de uma criança. Mais do que se sentir rei-sol, certamente consolidava-se no professor um sentimento quase divino de poder dispor, a seu bel prazer, do destino de seus alunos, que se tornavam joguetes nas mãos do acaso.

COMENTÁRIO: Já está bem claro que para Rose Neubauer todo o problema da educação no início do século era o excesso de autoridade do professor. Ela condena o fato do professor manter a disciplicina a qualquer custo. Não há dúvida: Rose Neubauer e sua política obtiveram êxito total contra esta arbitrariedade e hoje são os alunos quem mandam na sala de aula ou ameaçam fisicamente os professores. O que mais impressiona é a forma como uma educadora se refere aos de outros tempos: São seres insensíveis, tirânicos e despóticos. Enfim, são os opressores na dicotomia da Pedagogia do Oprimido.

Como uma concepção tão às avessas sobrevivera durante séculos? Ora, para todos aqueles que leram o livro "O Nome da Rosa" de Umberto Ecco ou assistiram ao filme do mesmo nome a explicação é clara. O saber era propriedade de uma pequena elite que queria tornar o acesso ao mesmo o mais difícil e inóspito possível. Afinal, como o livro bem mostra, saber é poder. Ora, a melhor forma de atingir tal objetivo, isto é, afastar a massa ignara do saber, era tornar a escola insuportável e inatingível, tratando o aluno da forma mais rígida possível, desestimulando-o da aventura do conhecimento reservada a uns poucos.

Rose não tem nenhum noção temporal quando escreve. No parágrafo anterior ela condena o espírito autoritário das escolas bem como os castigos físicos. Ora bolas, a Escola era o retrato de uma época em que crianças respeitavam os mais velhos, os pais eram sim autoritários e filhos tinham pânico de seus pais. Sim, isto tudo era um exagero. E a escola refletia isto.
Só que está claro que Rose Neubauer não se apega a costumes ou épocas antigas. Ou então ela não cometeria a desonestidade de citar o romance "O nome da Rosa", ambientado no século XIV, com a estrutura do ensino no início do século XX. Pior ainda, ela compara a realidade interna a uma religião que então vivia muitas intrigas internas com a de toda a sociedade. Não Rose, em "O nome da Rosa" não há a intenção de uma "elite", para usar termos que lhe são familiares, ocultar o saber do "povo". O que se passa ali é que alguns líderes da religião, e no caso do romance uma abadia isolada, não queriam que alguns livros que contradiziam a crença deles fossem lidos. Não há ali menção nenhuma à idéia torta de que quem lesse tais livros pudesse tomar o poder da abadia ou da religião. Eu tenho cá minhas dúvidas se Rose Neubauer leu mesmo o livro ou se somente viu o filme. Se só viu o filme, é uma péssima crítica de cinema.

A partir do início do século XX, com o fim das monarquias européias, a adoção de modelos democráticos de governo nos países ocidentais, o impacto do desenvolvimento industrial e urbano que levou a um enorme crescimento da classe média e do proletariado, as classes dirigentes foram obrigadas a aceitar o compromisso de democratização da informação e do saber, proposto já desde a Revolução Francesa. Neste processo, a escola passa a desempenhar um papel fundamental, principalmente para os grupos mais pobres da população que só terão condições de acesso ao saber sistematizado, através dos serviços públicos ofertados pelo Estado no papel de compensador das desigualdades sociais.

É gritante o desconhecimento histórico de Rose Neubauer. Adoção de "modelos democráticos de governo" nos países ocidentais começou muito antes nos EUA. E a afirmação de que só então "as classes dirigentes foram obrigadas a aceitar o compromisso de democratização da informação" condena de vez a ignorância de Rose Neubauer frente a grandes pensadores da história humana. Por exemplo, Aristóteles que em seu "A Política" sentenciava no capítulo "Caráter Público e Objeto da Educação": "Como não há senão um fim comum a todo o Estado, só deve haver uma mesma educação para todos os súditos. "
Até mesmo Adam Smith destacava a importância da Educação como bem universal a ser oferecido pelo Estado. Como pode então Neubauer atribuir à aurora do século XX um movimento que "forçou" os dirigentes a tratar da Educação para todos os cidadãos? Tal debate já se dava entre "as elites" há séculos, ou melhor, milênios!


No decorrer do século, a concepção de escola do passado começa a ruir, a ser demolida violentamente graças a diferentes contribuições científicas. Foram os avanços da Psicologia do Desenvolvimento e da Aprendizagem, da Neurologia, da Epistemologia Genética, da Pedagogia Moderna, do Sócio Construtivismo que mostraram, com enorme ênfase, que a aprendizagem das crianças tem características próprias, diferente da dos adultos; que o processo de aprendizagem é progressivo e cumulativo e nem sempre ocorre de forma linear, mas sim por saltos; e que o medo e a passividade não geram aprendizagem inteligente, ao contrário, são seus inimigos.

Assim, ao modelo de relação pedagógica autoritário, elitista e excludente até então existente irá contrapor-se um radicalmente novo, onde o ser que aprende - o aluno - passará a ser o centro do processo de aprendizagem que deverá estimular o aluno à participação, atividade, pesquisa e comportamento crítico.

Volta a figura da escola opressora. Agora frente à "nova escola". Vamos ver no que vai dar.

Importantes educadores e estudiosos contribuíram para a sua construção. Vale lembrar aqui: Montessori, Decroli, Freinet, Dewey, Piaget, Wallon, Anísio Teixeira, Bourdieu e Passeron, Ana Maria Poppovic, Paulo Freire, Emília Ferreiro entre vários outros. Propõe eles uma escola democrática marcada por relações pedagógicas de inclusão, troca, respeito e estimulação. O aluno deve ser respeitado, suas características bio-psico-sociais consideradas no processo de planejamento, desenvolvimento e avaliação do ensino. Ao professor é atribuído o importante papel de mediador, facilitador do processo de aprendizagem, isto é, o de criar as condições necessárias e adequadas de exposição e apropriação do conhecimento pelos alunos. O papel do professor não será menos importante do que era no passado, mas implicará maior responsabilidade: zelar e garantir a aprendizagem do educando. Não basta ensinar. Condição necessária à função do professor será a de levar o aluno a aprender. Da mesma forma, a direção escolar e o sistema de supervisão do ensino passarão a ser solidariamente responsáveis com o professor pela garantia de aprendizagem das crianças e jovens.

"Montessori, (...)Emília Ferreiro entre vários outros. Propõe (sic) eles". Olha só eu sendo opressor. Este negócio de corrigir e apontar erros, segundo a nova concepção libertária de educação tão louvada pela Neubauer, é coisa de retrógrados. E eu queria saber qual escola e quais profissionais farão as análises "bio-psico-sociais" de todos os alunos antes de planejar as aulas e o currículo. Outro destaque deste parágrafo é o paradoxo: O professor não vai mais ensinar mas sim tornar-se um facilitador. E ainda assim ela afirma que seu papel NÃO será menos importante. Não só ele não tem como missão primordial ensinar como também parte de suas obrigações passam a ser compartilhadas com a direção e supervisão da escola. E mesmo assim ela tem a coragem de dizer que o papel do professor não será diminuído! Para acentuar o paradoxo há a afirmação de que o professor, o mesmo que não terá a obrigação de ensinar e que deverá compartilhar seus poderes, deverá ter uma maior responsabilidade.

Logo após a segunda guerra mundial vários países se dão conta da necessidade urgente de adotar um novo modelo de educação e mudar radicalmente a cultura da escola. Independente das dificuldades do pós-guerra, rompem com o modelo anterior e adotam o sistema de progressão continuada da aprendizagem para melhor assegurar a permanência com sucesso das crianças na escola e a formação de cidadãos críticos e criativos. Esta mudança tem algumas premissas básicas fundamentadas nas ciências modernas. São elas:
"Vários países". Quais? Esta é uma afirmação vazia! Por exemplo, imaginem que acima, quando digo que a atribuição do Ensino Público como necessidade de ação do Estado, eu dissesse: "Vários autores já tratavam disso há muito tempo" e em seguida não listasse nenhum, não desse nenhum exemplo. Sinceramente, quando ela escreve o trecho "rompem com o modelo anterior", por conta da não-distinção dos países anteriormente, fica me parecendo que ela está a criar uma oração com sujeito indeterminado. É ou não é? Quem rompe com o modelo anterior? "Eles". Eles quem? "Os vários países". Então tá.

- o ser humano, desde o início de sua vida apresenta ritmos e estilos significativamente diferentes para realizar toda e qualquer aprendizagem - andar, falar, brincar, comer com autonomia, ler, escrever, etc;
- toda aprendizagem, inclusive a cognitiva, é um processo contínuo, que ocorre em progressão e não pode nem deve ser interrompida ou sofrer retrocessos, pois isto implica prejuízos enormes, tanto no que respeita à auto-imagem do aprendiz como na sua motivação para aprender;
- toda criança normal, sem traumas ou problemas mentais, quando exposta a situações motivadoras de ensino é capaz de aprender e avançar em relação a seus padrões anteriores de desempenho;
- aprendizagens cognitivas exigidas pela escola podem ocorrer com maior ou menor rapidez em função das características e estimulação dos ambientes sociais de onde as pessoas provêm;
- o desempenho cognitivo e acadêmico de crianças e jovens de diferentes extratos sociais tende a atingir, nos anos iniciais de escolaridade, patamares médios bastante semelhantes, se respeitadas as dificuldades e obstáculos iniciais dos alunos e garantida a aprendizagem continuada com reforço e orientação para aqueles com maiores dificuldades.
De acordo com esta nova filosofia educacional torna-se, por exemplo, inadmissível à escola, ao final de um ano escolar, ou melhor de meros 10 meses, considerar um aluno como inepto total porque não aprendeu o que era "idealmente" esperado, num intervalo de tempo teoricamente "ideal". Ela exige respeito aos diferentes ritmos de aprendizagem, característica própria dos seres humanos.

Será impossível, pois, para a nova escola, aceitar a concepção do passado de que o aluno deve ser reprovado, se não dominou bem divisão, mesmo que tenha aprendido tudo em português, ciências, história e geografia. Para o novo modelo de escola, existe uma incompatibilidade total, uma conciliação impossível entre as idéias de respeito ao educando de Paulo Freire ou a de aprendizagem sócio-construída de Emilia Ferreiro com a prática escolar existente de que caso o aluno fosse reprovado, toda aprendizagem feita por ele durante aquele ano era praticamente desconsiderada, "apagada" de sua memória e depois refeita no ano seguinte, como se esse aluno fosse uma peça defeituosa numa linha de montagem industrial mecanizada. Durante todo o século passado, educadores ilustres nos legaram uma literatura educacional abundante mostrando que um aluno assim humilhado, desrespeitado e cognitivamente estuprado, passaria a comportar-se ou como um pequeno robô, amedrontado e passivo que a escola altera o crescimento intelectual de forma perversa, ou como um marginal revoltado que, saudavelmente, para proteger sua auto-estima agride e evade-se desta escola que personaliza o mais odioso tipo de autoritarismo.
Tá aqui o resumo do pensamento da "Progressão Continuada". Não é porque o aluno foi mal em apenas uma matéria que ele deve reaprender todas. E estão certos. Não é assim que funcionam as faculdades? Pois o que ocorreu com a progressão foi muito diferente: Os alunos não conseguem notas mínimas em quase todas as matérias e MESMO assim são aprovados. E aí do professor que o reprovar. E ai da Escola que tem muitos repetentes. E que história é esta de o aluno ser "cognitivamente estuprado"! É impressionante como para o pensamento esquerdista sempre, sempre o cidadão é vítima, sempre ele precisa de cuidados, sempre ele é um anão frente ao gigante do sistema. Como já destacado por Neubauer, o aprendizado é um "processo contínuo, que ocorre em progressão". E é justamente por isto que quem não sabe somar não pode subir de série em Matemática para aprender multiplicação. Na verdade o sistema de Paulo Freire, tão preocupado em não oprimir o aluno, acabou por oprimir o professor que se vê obrigado a dar notas e aprovar alunos que não frequentam as aulas, alunos que não se comportam durante as aulas e também alunos que não absorvem nada. Quem é de São Paulo sabe: Professores são quase intimados a aprovar alunos! A pressão de diretores é imensa, mas não porque diretores são maus e sim porque as Secretarias Regionais de Ensino repassam aos diretores as pressões que vêm da Secretaria da Educação.

No entanto, este modelo totalmente questionado já no início do século XX por valorizar o medo, o sofrimento, a humilhação, o fracasso, era muito apreciado e aplicado na chamada "boa" escola brasileira dos anos 50. Ele certamente é um dos maiores responsáveis pelo fato chocante, que parece não fazer parte da memória dos educadores e dos meios de comunicação de massa, de que o Brasil, nos anos 50, tinha somente 36% da população de 7 a 14 anos na escola. A tão propalada boa escola de antigamente era aquela em que a maioria ficava fora e a que ficava dentro fracassava em massa. Perdas de 60% ou mais (evasão e reprovação) eram consideradas absolutamente normais. E parece existir um pouco de cinismo quando atualmente nos admiramos com as altas taxas de analfabetismo da população brasileira com 40 anos ou mais. Precisamos no Brasil é ter coragem de enfrentar, sem saudosismos elitistas, o que há por fazer e me parece oportuno parafrasear aqui o educador português Rui Canário que recentemente esteve em São Paulo num congresso educacional e que numa entrevista dada ao jornal O Estado de São Paulo (em 29/09/00) afirmou: "as pessoas criticam a educação hoje achando que ela foi melhor um dia". Concordo com ele. Só é possível defender que aquele modelo de escola excludente do passado era bom por desinformação ou má fé.
Mais uma desonestidade argumentativa de Neubauer. Nos anos 50 não era a escola opressora a culpada pelos baixos números de alunos matriculados mas sim o fato de então termos uma população majoritariamente rural! O problema da escola pública nos anos 50, 60, 70, 80 e antes disto era a formação dos professores, em sua maioria não tinham diploma universitário. Hoje o problema não é a "quantidade" da formação dos educadores mas sim a "qualidade" desta, além é claro dos métodos e filosofias de ensino tão admirados por gente como Rose Neubauer.

Nas três últimas décadas do século XX a população brasileira "arrombou" as portas da escola. O crescimento das matrículas foi estrondoso. No entanto, por mais esforços que alguns educadores tenham feito, haverá muita dificuldade em mudar a cultura dessa escola elitista, autoritária, herdada do século XIX e serão usados todos os subterfúgios e práticas para afastar os alunos do acesso ao saber. A mais avassaladora delas será a reprovação, esta sim o instrumento por excelência a serviço da ignorância e da exclusão social. Em relação ao acesso ao saber pode mesmo ser comparada aos fornos crematórios do III Reich.
Repito o argumento contra o parágrafo anterior: Cresceu a urbanização do Brasil, cresceu a população nas cidades e por consequência direta aumentou o número de alunos. A pobreza argumentativa desta ex-Secretária da Educação de São Paulo é de assustar. Num momento, diz que alunos reprovados são estuprados, no outro compara a reprovação aos "fornos crematórios do III Reich". Ela não nos mostra o porquê de exemplos tão radicais pois, obviamente, eles são apenas usados como figuras retóricas, não como argumentos lúcidos. Não há como equiparar a reprovação a um aluno com os efeitos psicológicos e físicos a uma pessoa estuprada bem como não há como equipará-la com os fornos crematórios do III Reich. E vejam mais uma vez o paradoxo: Se a reprovação é um estupro, não pode ser um forno crematório. Os fornos crematórios do III Reich serviam para matar, o estupro é uma violência que não vem necessariamente seguida da morte. Quem passou pelos fornos do nazismo não teve que conviver com o trauma pois definitivamente não viveu após. Vítimas de estupro, em sua maioria, sobrevivem e com traumas tristíssimos. Estou acostumado a ver esquerdistas de araque usarem o nazismo como comparação mal intencionada e burra mas o que admira é ver uma mulher falar de estupro tão levianamente.

Nos idos dos anos 80, foram abundantes os estudos e pesquisas mostrando os efeitos perversos e pouco producentes da reprovação. Sergio Costa Ribeiro, físico e ilustre pesquisador, precocemente afastado de nós, produziu alguns dos trabalhos mais significativos na área, denunciando que o acesso finalmente conseguido pela população nas escolas públicas era enganoso pois a soma das taxas de evasão e reprovação continuavam tão altas quanto às dos anos 50. A diferença, dizia ele, é que agora, ao invés de milhares eram milhões de alunos, ano a ano, sistematicamente afastados das escolas. Os estudos de Ribeiro mostram com clareza que a evasão era o sub-produto das múltiplas repetências a que as crianças e jovens eram submetidos, ou seja, eles denunciavam que 50% da população escolar abandonava, evadia-se da escola depois de ter ficado de 6 a 8 anos "estacionada" na segunda ou terceira série do ensino fundamental e que de cada 100 crianças menos de 10 completavam o ensino fundamental em 8 anos. É possível acreditar que toda a população escolar deste país estivesse retardada mentalmente frente à escola? Ainda em 1995, mais da metade de toda população brasileira de 7 anos era reprovada na primeira série. Nenhum outro país miserável da América Latina tinha estatísticas tão perversas. Entretanto, convivíamos cínica e tranqüilamente com essa situação de perdas enormes de auto-estima nacional, de capital humano e financeiro que deprimiam cada vez mais a situação educacional do país.
Outra contradição. Não era a reprovação responsável pelos baixos números de matriculados no ensino nos anos 50? Então, como eles se mantiveram os mesmos nos anos 80, quando a porcentagem de estudantes era muito maior? Ê gentinha viu, vão cuspindo baboseira tão tresloucadamente que nem mesmo percebem quando uma desmente a outra. Mais uma coisa: Quem fica de 6 a 8 anos estacionado em uma mesma série, sinceramente, não tem condições de seguir adiante no ensino. Melhor então seria dar a estes alunos o diploma do 1ªgrau mesmo eles sendo incapazes de lidar com as matérias da 2ª ou 3ª série? O raciocínio desta gente é o de que alunos não aprendem pois são reprovados. Obviamente, uma inversão na relação causa-efeito. Alunos eram reprovados por não aprenderem, ponto final. O porquê de não aprenderem é que deveria ser o foco da solução dos problemas e não a extinção da reprovação.

Os anos 80 e 90 também foram férteis em pesquisas sobre o rendimento escolar dos alunos associados a um conjunto enorme de variáveis escolares e sócio-econômicas. Tive o privilégio de, como pesquisadora universitária e professora doutora na área de currículo e avaliação, participar de várias delas, juntamente com pesquisadoras ilustres como Ana Maria Poppovic, Bernardete Gatti, Guiomar Namo de Mello. As pesquisas com acompanhamento longitudinal de grupos de alunos das escolas públicas mostravam, em São Paulo e em outros Estados do Brasil, que a maioria deles, a cada ano de repetência, ia desempenhando cada vez pior, em decorrência das situações desestimuladoras a que eram submetidos e da diminuição significativa da sua auto-confiança como aprendiz. A maior parte das pesquisas na área apontava também que fatores como a duração do período escolar, várias mudanças ou falta dos professores num ano escolar, existência de materiais didáticos na sala de aula bem como presença de aulas de recuperação sistemáticas eram fatores muito mais determinantes no desempenho bem sucedido dos alunos.

Entretanto, raras vezes ocorreu às elites ou aos administradores que dirigiam o sistema educacional questionar esse modelo de escola de reprovação secular, pois afinal, se ela fosse tão boa já deveríamos ser um país de sábios. Somente na rede estadual paulista, no início da década de 90, cerca de 1.5 milhão de alunos, a cada ano, eram expulsos ou fracassavam na escola. Desde o final dos anos 80 os índices de evasão haviam atingido patamares absurdamente altos. E isto ocorria no mais rico e pujante Estado da América Latina, onde cerca de 90% dos professores já tinham formação universitária. Imagine a exclusão que ocorria no resto do país. E contraditoriamente, ficamos atualmente chocados com os índices de violência e miséria do país, sem parecer ou querer nos dar conta de quanto tem contribuído para estes índices o modelo de escola que exclui e violenta seus alunos, com a qual convivíamos com muito pouco questionamento.
Este parágrafo soa como música a quem coloca no mesmo nível as idéias do PSDB e do PT. Neubauer, assim como Lula, acha que os bandidos de hoje são coitados vítimas do sistema pois no passado não receberam atenção na escola. Assim como Lula. E olha que Lula é um semi-analfabeto ( aliás, para reflexão: Na escola de hoje, Lula conseguiria facilmente um deproma hunivercitáriu ). E quando ela jocosamente diz que deveríamos ser um país de sábios por causa da reprovação, mais uma vez ela esquece os números trazidos ao debate por ela mesma. Como poderíamos ser uma nação de sábios se, há pouco tempo, a maioria da juventude não frequentava as escolas? Ainda assim, convivemos já há mais de uma década com a Progressão Continuada e só vemos os números paulistas piorarem. É este o caminho para a sapiência?


Vale a pena, porém, lembrar algumas tentativas feitas no Brasil, já no final do século XX, para superar este quadro calamitoso. Em 1968, o emérito professor da USP, liberal e democrata, José Mario Pires Azanha, colaborando com Ulhoa Cintra, na Secretaria da Educação, implanta pela primeira vez no Brasil, no curso primário das escolas estaduais paulistas, os chamados nível I e II, ou seja, a passagem da primeira para a segunda série sem reprovações, assim como da terceira para a quarta séries. Estávamos no apagar das luzes de um período democrático e, por coincidência, o Gabinete cai por ser considerado subversivo. Em 1984, respirando os novos e raros ares de abertura democrática, o Governador Montoro implanta o ciclo básico nas escolas estaduais paulistas, no que é imitado por outros Estados, inclusive Minas Gerais. O objetivo? Dar à criança a possibilidade de completar sem retrocessos seu processo de alfabetização. Há resistência dos professores que acreditam perder a autoridade por não poder reprovar criancinhas de sete anos e o Governo não dá continuidade ao processo de ciclos, como propusera inicialmente. No início dos anos 90, já com o sistema democrático mais consolidado, a administração da educação municipal dirigida por Paulo Freire introduz, semelhante ao que pretendia Montoro, o sistema de 3 ciclos no ensino fundamental das escolas da capital paulista, o que também ocorre em várias outras capitais. A política de introdução dos ciclos surgiu e se fortaleceu nos poucos momentos democráticos que tem ocorrido neste país. Talvez isto justifique o seu atraso. Acredito que essas eminentes figuras que propuseram a aprendizagem em progressão continuada por ciclos não são passíveis de serem identificadas como demagogos ou malandros como pode a alguns parecer.
Eu não sei o que a APEOESP pensa de Rose Neubauer. Como podem os professores do Estado de São Paulo ser tão tolerantes a tantas críticas? Em um momento, eles agentes dos estupros impostos aos alunos. Agora, são os covardes chorões e malvados que reclamam por não reprovar as "criancinhas". A justaposição das duas figuras tem intenção clara: O aluno, coitadinho, é um anjo e digno de diminutivo. Os professores, instrumentos do Sistema Opressor. Ah, lembrei, a APEOESP é da CUT e, está claro, CUT, PT e Rose comungam das mesmas idéias educacionais.

Os desafios do século XXI

Nos últimos anos do século XX, sob o impacto das enormes mudanças ocorridas na sociedade, do avanço da tecnologia e meios de comunicação de massa, da constatação cada vez mais óbvia de que a sociedade do futuro será a do conhecimento e que este determinará a riqueza das nações, é promulgada uma nova Lei de Diretrizes e Bases Nacionais (LDB) aprovada em 1996, sob a inspiração do educador Darcy Ribeiro. A nova LDB foi exaustivamente debatida pela sociedade e trouxe os primeiros ventos de modernização e real democratização para o sistema educacional brasileiro, recebendo a aprovação do Congresso Nacional, das entidades de classe e de todos os diferentes partidos políticos.

É, portanto, na LDB de 1996, que já estão inscritas e garantidas as diferentes formas de organização do ensino que ampliam as possibilidades de avanço e respeito à aprendizagem dos alunos. É nela que está claramente proposta a aprendizagem em progressão continuada na forma de ciclos. Lá estão apontadas também as formas de fazê-la com sucesso: ampliação da jornada escolar, a recuperação paralela e contínua dos alunos com dificuldades de aprendizagem, as horas de trabalho coletivo remunerado do professor para avaliação e capacitação; a proposta de esquemas de aceleração de aprendizagem para alunos multi-repetentes com grande defasagem idade-série; além do direito à reclassificação de estudos para todos aqueles que conseguiram aprender, independentemente da freqüência às escolas. É uma lei revolucionária, que buscava provocar enormes mudanças no sistema educacional brasileiro, na medida em que refletia o espírito de seu patrono: criar condições de acesso ao conhecimento para toda a população, o que até então a escola brasileira fora incapaz de fazer.
No caso específico de São Paulo, em 1996, quando a LDB estava em discussão, algumas de suas propostas já começaram a ser postas em prática. Foram garantidas na rede estadual paulista algumas condições básicas para a melhoria do ensino: a ampliação da jornada escolar de 720 para 1000 horas, para 90% dos alunos do diurno, e para 800 horas no período noturno; duas novas modalidades de recuperação paralela para todos os alunos com dificuldades de aprendizagem, ou seja tanto a semanal, de 3hs fora do horário regular de aulas, para corrigir deficiências prematuramente, como ao final do ano, no mês de janeiro, com 100 de duração, para os alunos faltosos ou com maiores dificuldades. Ao lado dessas medidas, foi instituído para todos os professores o pagamento de horas de trabalho na escola, porém fora da sala de aula, para capacitação e orientação sobre reforço escolar. Para que isto ocorresse, todas as escolas passaram a contar com um ou dois coordenadores pedagógicos, antiga reivindicação do magistério, de modo a acompanhar o trabalho dos professores juntamente com as Oficinas Pedagógicas, órgãos descentralizados de capacitação. Estas Oficinas contaram para os seus projetos com os resultados do sistema de avaliação do rendimento escolar (SARESP) feito por instituições externas à administração, que serviram de suporte e tomada de decisão para o investimento de recursos da ordem de 30 milhões de reais em cursos de capacitação de professores ofertados pelas universidades paulistas.

Essas medidas provocaram quedas drásticas nas taxas de evasão. Deixaram claro que os alunos e suas famílias percebiam quando valia a pena ficar na escola porque o aluno tinha realmente mais chances de se recuperar, ter sucesso e aprender. Foi somente no início de 1998, que o Conselho Estadual de Educação, em função das mudanças ocorridas, propôs a adoção para o sistema de ensino paulista público e privado, da aprendizagem em progressão continuada. A proposta só abrangia o ensino fundamental cujos oito anos deveriam ser organizados em dois ciclos, com reprovações ocorrendo ao final de qualquer ano escolar, no caso de faltas em excesso ou abandono da escola. Enfatizava o Conselho Estadual a importância de avaliações freqüentes e contínuas da aprendizagem dos alunos para embasar as aulas de recuperação paralela ou nas férias. Ao final dos dois ciclos, caso o aluno apresentasse problemas de aprendizagem, deveria ficar retido mais um ano na escola para um cuidadoso trabalho de recuperação. Tal proposta objetiva garantir às crianças paulistas a possibilidade de sucesso na escola e o respeito ao seu desenvolvimento intelectual e emocional.
No entanto, porque a organização da escola em ciclos irá assustar e ameaçar alguns setores da sociedade? A organização seriada da escola que tínhamos não levava a maioria dos alunos a aprender. As críticas à escola eram contundentes e as perdas fantásticas. A quem incomoda a sua mudança? Em nome de quem e quais subterfúgios ainda serão usados para atacar o sistema de ciclos?

É preciso concordar, em primeiro lugar, que causa estranheza o fato de que a idéia de fazer uma criança continuar aprendendo, progredindo de onde parou, que é o normal para toda e qualquer aprendizagem, só na escola é encarada como uma aberração. Porque será que isto ocorre? Porque demanda uma sistemática mais trabalhosa, detalhada, cuidadosa e criteriosa de avaliação?
Sabe porque isto ocorre, dona Rose? Porque o que se instituiu foi que o aluno não precisa mais estudar para passar de ano. Quando você não pune o erro você desmotiva o acerto. Exemplo: Digamos que fosse permitido roubar chicletes e produtos que custem até R$1,00 em supermercados. A partir de então, quem pagaria pelos produtos? Ninguém, ora bolas!
Melhor seria se as famílias brasileiras fossem realmente preocupadas com o ensino dos filhos e os obrigassem a estudar e aprender. Sabemos bem, não é assim na maioria dos casos. Já escrevi antes mas repito que o brasileiro médio tem aversão à cultura e ao saber. Diz-se de quem estuda muito que fica louco "de tanto estudar". E quem não estudou e se acha esperto gaba-se por ter aprendido muito na escola da vida.

Certamente. A Secretaria Estadual de Educação, no entanto, desde 1984, ou seja, desde a introdução do ciclo básico, já desenvolvera uma série de instrumentos, publicações, fichas detalhadas, programas de TV e vídeo - consubstanciados no famoso projeto Ipê - para auxiliar escolas e professores na avaliação, acompanhamento e recuperação dos alunos. Pode-se questionar se no passado existiam condições para esse tipo de avaliação. Porém, desde 1996 elas existem. São os horários de recuperação paralela semanal e ao final do ano. São as horas de trabalhado remunerados do professor na escola mas fora da sala de aula. São as horas ampliadas em 40% para a maioria dos alunos bem como a capacitação dos professores feita pela Universidade e escolhida pela própria Diretoria de Ensino e suas escolas.
Uma pena que aqui ela não esteja a dar nome aos bois. Quem é de São Paulo deve se lembrar das famigeradas "Escolinhas de verão"! A escola ficava aberta durante o verão para quem não conseguiu notas bastantes a passar de ano. E mais uma vez, ainda que o aluno só fosse na primeira e na última aula, ele era aprovado pois frequentou a escola no verão. Sem contar que, dos professores que conheço, todos dizem que não ensinavam nesta época o que ficou subaproveitado durante ano mas sim eram tratados temas avulsos para debate... Até para tentar tornar aquilo atraente. Sintetizando, era mais um engodo para justificar a aprovação geral de todos os alunos.

Porque quando o aluno multirrepetente ficava vários anos estacionado numa mesma série ninguém se incomodava? Será porque era mais fácil camuflar o fato de que após 5 ou 6 anos de passagem pela escola ninguém havia, com seriedade, se responsabilizado pela aprendizagem desse aluno? Ora, por esse aluno haviam sido responsáveis pelo menos 5 professores, um diretor, um vice-diretor, um coordenador pedagógico, um supervisor da escola, três a quatro assistentes pedagógicos da Oficina Pedagógica local e um dirigente regional de ensino, que tem sob sua responsabilidade, em média, umas 70 escolas públicas. Um pequeno exército e o aluno era culpado e penalizado pelo fracasso. A culpa sempre acabava sendo da vítima.
A ex-secretária deve concordar comigo que a família brasileira é relapsa em sua maioria com relação ao ensino. É são os pais e familiares quem deveria se responsabilizar por alunos que passavam 5 ou 6 anos em uma mesma série. Que nada, sem esta de dar nome aos culpados, sem esta de individualizar as culpas, o negócio é abstrair, culpar o Estado ou o Sistema.

O ciclo desvela a incompetência da escola e do sistema para ensinar que a reprovação mascarava. Ele não permite mais a punição unilateral, ele impede a farsa "professor finge que ensina e aluno não aprende porque não é capaz". A progressão continuada exige um bom trabalho coletivo da escola para garantir o sucesso dos alunos. A cada final de ano ou o aluno conseguiu aprender ou a escola ficou para trás.
Na reprovação a marca do fracasso é do aluno, na progressão continuada em ciclos a marca do fracasso é da escola, do trabalho do professor, da organização do sistema de ensino que tem de ser avaliado, questionado, revisado e repensado nos seus pontos frágeis.
Para quem duvidava de que a exigência na aprovação dos alunos é uma política adotada pela Secretaria da Educação, tá aí a prova. Há repetência? A culpa é da escola! Coloquem-se no lugar de um diretor e pensem se não fariam vocês também pressão para que os professores aprovem os alunos.

É este o caminho que precisamos buscar e que devemos ter coragem de trilhar. Ser capaz de enfrentar o velho e ultrapassado mito de que a reprovação em si é boa e lutar por uma escola que seja capaz de ensinar e não simplesmente de excluir. Com as informações que possuímos atualmente, continuar com o discurso e a prática antiga de reprovar e culpar só o aluno é, no mínimo, cômodo para não dizer imoral.
Finalmente, a quem interessa atribuir ao sistema de ciclos a idéia de caos e aumento da violência na escola? Aos professores? Certamente não. Os educadores hoje já sabem muito bem que o domínio do medo, o fantasma da reprovação, pode facilitar o controle da disciplina da classe de um ou outro professor cujas aulas são desinteressantes e não motivadoras, mas de nenhuma forma garante a aprendizagem. No ensino médio, por exemplo, onde estudam os adolescentes e adultos nas faixas etárias mais velhas, o sistema de ciclos e progressão continuada não foi instituído. Entretanto, as grandes quedas nas taxas de evasão possibilitou a freqüência à escola dos jovens das camadas mais pobres da população, que anteriormente estavam fora dela condenados à marginalidade, droga, violência e criminalidade. A escola hoje tem que enfrentar essa nova realidade. Ela hoje está inserida num contexto de maior violência social. Além de aceitar o desafio de ensinar a parcela de excluídos que até recentemente nem sequer adentravam suas portas, a escola hoje se depara com uma juventude cada vez mais livre, autônoma e independente, que as próprias famílias tem dificuldade de educar.
"As grandes quedas nas taxas de evasão possibilitou(sic)", "as próprias famílias tem(sic)". Como é bom ser opressor!
Quando é para culpar os professores e métodos deles em outros tempos, ela não contemporiza. Já na hora de responsabilizar as famílias, ela é mansinha, mansinha.


Nestes últimos 5 anos observamos em São Paulo um fenômeno inédito em todo o país. Enquanto a rede particular de ensino médio inexplicavelmente parou de crescer e até diminuiu, ficando ao redor de 300 mil alunos, a rede pública estadual de ensino médio cresceu cerca de 1 milhão de alunos, atingindo 2 milhões e 300mil alunos no ano 2000. Neste período a taxa de evasão na rede estadual caiu de 25% para 12%, tornando-se a mais baixa do país. A rede estadual cresceu 3 redes particulares de ensino médio em 5 anos. O que facilitou essa explosão? Não foi unicamente a maior garantia de acesso. Certamente foram decisivas algumas modificações introduzidas como a matrícula por disciplina que possibilitou, por exemplo, a um jovem reprovado em duas ou três disciplinas não ter de refazer todas as matérias, avançando nas que foi aprovado. Foi também a certeza de que não está condenada por uma disciplina já em setembro e terá mesmo chances de melhorar o seu desempenho estudando-a na recuperação de férias em janeiro aumentando suas chances de sucesso. Talvez alguns até considerem que este jovem, mesmo trabalhando o dia todo e estudando à noite, não seja tão bom quando comparado com aqueles poucos que estudavam só no diurno naquela "boa" escola "pública" do passado, de quase 100 anos atrás, que era paga por muitos e usufruída só por uns poucos. Mas, certamente ele é extremamente melhor do que aqueles milhões que na sua idade estavam, ainda num passado recente, fora de qualquer escola e nem sequer tinham chances de estudar e enfrentar a odiosa exclusão social deste país.
Este artigo é de 2001. Alguém se lembra das crises que vitimaram o Brasil por aquele tempo? Talvez isto explique o estacionamento do número de alunos na rede particular. Ou Rose Neubauer acredita mesmo que, tendo condições, os pais deixam seus filhos em escolas estaduais? Só estando muito longe da realidade do ensino para pensar desta forma. Quanto à reprovação por disciplina... Onde vive Neubauer? Em que lugar as reprovações são assim, por matéria? Melhor dizendo, onde há reprovação de fato na rede estadual paulista? E aqui ela fala da recuperação de férias mas foge do nome "Escola de Verão".

Qualquer que sejam os medos e fantasmas não é mais possível conviver com o modelo de escola e ensino que herdamos do passado. O século XXI exige uma nova escola - inclusiva, dinâmica e radicalmente diferente - que além de transmitir o conhecimento tenha como papel primordial possibilitar socialização e o respeito mútuo, o desenvolvimento de valores éticos e a solidariedade, principalmente do nosso jovem, exposto a uma sociedade muito mais competitiva e individualista. Na escola ele também aprenderá o saber socialmente sistematizado, embora no futuro, graças à tecnologia moderna, ele poderá até fazer a opção de aprender de forma inteligente e ter acesso ao saber à distância, fora da escola. Conseqüentemente, a escola assim como o professor, principalmente o da escola pública, terá de abandonar a posição de arauto do fracasso. Como qualquer médico que é aquele que cura todos os seus pacientes ou um bom advogado que ganha todas as causas dos seus clientes, o professor terá que rechaçar rapidamente a posição antropofágica de que só é bom se reprovar ou seja se não for capaz de fazer aquilo que dele se espera - ensinar. Uma postura assim elitista e antidemocrática não terá mais lugar no século XXI e se levada às últimas conseqüências poderá, de forma antropofágica ser, lamentavelmente, o próprio fim da escola e da profissão. Essas são mudanças de cultura, de postura, difíceis de serem ultrapassadas porque tem um teor altamente ideológico e emocional pois implica em perda de poder. Mas elas devem ocorrer com urgência se quisermos preparar nossos jovens para o novo século. Já estamos com uns 100 anos de atraso. Resta ter coragem para deixar de usar a escola como instrumento da elitização e exclusão do saber. Resta não ter medo do desafio de ensinar os excluídos que estão chegando na escola. Resta acreditar com Rui Canário que "a idade de ouro da educação ainda está por vir". E isto vale principalmente para nós, no Brasil, que só agora conseguimos colocar a totalidade de nossas crianças e jovens nas escolas.
"Qualquer(sic) que sejam". Ave Maria! Digno de uma Marilena Chauí ou Emir Sader usar "elitização" e "exclusão" na conclusão de um artigo. E é de lamentar que em termos filosóficos o PT e o PSDB andem de mãos dadas. Contra estas duas forças da intelectualidade brasileira, qualquer outra opção é julgada como retrógrada e ultrapassada.
A ex-Secretária está convicta de que estamos no caminho certo. Não se justificam os erros de agora com os erros anteriores. A escola pública em São Paulo faliu, fracassou e está condenada. Em 2001 Neubauer ainda estava a esperar os resultados de suas políticas públicas de Ensino. Hoje não, temos os resultados e eles são gritantes: Não podemos continuar no mesmo caminho. Infelizmente, ao se acompanhar as opiniões atuais da Ex-Secretária ela não só não admite os erros como ainda assegura: O erro aconteceu porque não se aprofundou o que ela fizera. O que seria então se ela continuasse como Secretária da Educação em São Paulo?
Como criadora deste monstro educacional é até aceitável que Rose Neubauer seja econômica na auto-crítica. Só que ela vai além e enxerga ou cria virtudes que não são perceptíveis por ninguém que não comungue de suas preferências ideológicas. Rose Neubauer, não adianta: Você e o Progressão Continuada foram reprovados!

6 Comments:

  • Obrigada por publicar o que eu pensei sobre este artigo quando o li.Sou professora da rede pública estadual paulista e só quem está numa sala de aula hoje sabe o tamanho de estrago que essa gestão causou.

    Por Anonymous Anonymous, às 7/8/07 17:51  

  • Só agora vi o artigo.Revendo arquivo do blog do RA.Acessei só agora depois de reler alguns bons comentários.
    Infelizmente, a origem da Progressaõ Continuada é a Lei5692/71, não que ela tenha sido ruim por ter sido no governo militar, ela foi ruim por inovaçõe que foram introduzidas sem o devido cuidado, sem um projeto piloto que testasse seus pressupostos.De todos os esquívocos, apontaria o Avanço Progressivo como o que mais se fez sentir com relação a queda da qualidade.Discordo de quem diz que ela inovou pra melhor, que criticá-la seria querer afirmar que antes dela a educação era melhor e não era.Acho que era...Naquilo que se esperava do papel da escola
    Hoje se diz "função social" da escola, coisa que se confunde com outras instituições, de caráter também de promoção social,porém não especializada naquilo que deve ser a prioridade numa escola: a transmissão dos conhecimentos acumulados e a criação de novos conhecimentos.Esta especialização de agência reprodutora e criadora de saber se perdeu, não há como negar,pois o conteudismo foi substituído por uma tal de formação da cidadania integral mais chegada a um tipo de assistencialismo que qualquer outra coisa.A escola virou crechão, teve de assumir, à revelia de quem nela atuava, na ponta do processo, na sala de aula,funções tão diversas quanto saúde, assistência social,assistência psicológica,valores de toda ordem,que eram obrigações da famílias, das religiões( ao mesmo tempo que se queria mais laica), da Justiça, da Saúde e por aí vai.
    Como o Avanço Progressivo virou, na prática, promoção automática, perdeu-se o padrão de ensinar conteúdos-avaliação pra promoção por méritos.
    Se o modelo anterior à 5692 merecia revisão para se adequar aos novos tempos modernos, da velocidade da informação etc., a verdade é que a reforma gerou efeitos colaterais que até hoje reverberam de forma drástica na rotina escolar, no processo de ensino-aprendizagem. Na verdade virou ensino sem aprendizagem...
    A questão mais aguda, sem dúvida, é a disciplina,entendida como uma ordem, uma organização mínima de regras de comportamento de boa convivência. Escola virou território livre, os alunos mandam de fato e de direito. Os professores viraram tios, depois 'educadores' e a mudança do nome foi pra ampliar mesmo a suas atribuições. Enqto isso os salários encolheram, a profissão perdeu prestígio,afugentou os homens das funções do Magistério, sobrando, como restos, pra quem estivesse disposto a recolher: as mulheres.
    Fui aluna nos dois sistemas.Peguei a reforma no meio do caminho e foi um processo complicado. Vi que meus irmãos tinham um currículo mais rico, duas línguas estrangeiras[ francês e inglês],não perdiam tempo com OSPB/EMC. No ginásio cheguei a ter técnicas comerciais, teoria musical( coisa hoje de curso de contabilidade!), eram 12 disciplinas.Hoje até as aulas de Matemática e POrtuguês já foram reduzidas.
    Sinceramente,não reconhecer as falhas que o AP da Lei 5692/71 inaugurou e que ainda hoje alguns teimam em defender,pior ainda, aplicar,é o que se pode chamar de desonestidade intelectual e não o contrário. Defender a promoção automática é de uma má-fé criminosa.Curioso que os que mais rejeitam o 'antes da lei', o modelo antigo e ultrapassado, são os quem mais se beneficiaram do antigo sistema,ou será que se declaram burros e com déficit de formação? como explicam ter chegado , então, até onde chegaram, a altos cargos,Ph.Ds. etc.?
    Talvez fosse o caso de se tomar as sempres atuais palavras do ex-ministro Júlio Barata quando disse " não há problemas sem solução, não há solução sem defeito e não há defeito que, em qualquer tempo, não possa ser corrigido".E eu acrescentaria: corrigido ou, ao menos, reconhecido.

    Por Anonymous Anonymous, às 9/10/07 19:07  

  • Meu nome é Marcia e moro em Brasília. Belíssimo comentário, senhora. Concordo que a escola deva valorizar novas teorias de ensino para adequá-las às novas realidades do mundo e privilegiar a individualidade de cada indivíduo. Meu irmão, em 1980, não conseguia se alfabetizar. Tornou-se um garoto violento na escola. Poucas professoras conseguiam controlá-lo. Obviamente, abandonou a escola. Muitos anos mais tarde, ao estudar psicologia e em conversas com meu irmão, descobri que ele possui dislexia. Depois desta descoberta, busquei auxílio para ele. Aos 35 anos ele consegui terminar o ensino médio e hoje trabalha como operador de empilhadeira. É feliz mesmo sem ter diploma de nível superior e sempre digo que ele é um sucesso. Portanto, a Sra. Rose ao invés de ficar fazendo este discursinho idiota, devia se preocupar em estabelecer pesquisas nos MOTIVOS que levam as crianças ao não-aprendizado e, a partir dos resultados, estabelecer políticas públicas multidisciplinares para permitir o verdadeiro avanço dos alunos. Mas isto custa dinheiro. Dinheiro que o Governo de São Paulo e muitos outros não querem gastar. Parece até que o dinheiro é deles... mas o povo não se importa com a educação, mesmo! O negócio só é asfalto, ponte, metro, etc.

    Por Anonymous Anonymous, às 20/10/08 09:37  

  • You write very well.

    Por Anonymous Anonymous, às 11/11/08 15:48  

  • Nem ela tá completamente certa, nem vc! A educação tem que ser dever e obrigação de todos. Todos somos responsáveis. O País, a família, o professor e o aluno. A sociedade msm!

    Agora, falar do Presidente... É uma mescla de raiva com preconceito, né? Afinal... Um nordestino, e tal... Se ele chegou, meu bem... É pq fez por merecer! rsrs

    Inté!

    Por Anonymous Ana Sales, às 29/10/09 13:35  

  • Ana Sales, concordo plenamente com você!
    Graças a pessoas como quem faz as críticas patéticas a este texto, pessoas que só enxergam o próprio umbigo e que emperram o desenvolvimento do humano no homem, o planeta está sendo condenado. Sensibilidade é pra poucos!!!

    Por Blogger Unknown, às 3/10/16 10:14  

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