Crônicas do "Da C.I.A"

Monday, March 12, 2007

Passeio na segunda

São Paulo, segunda-feira, 12 de março de 2007, 11:40h:
Preciso despistar minha colega de trabalho. Não quero companhia. Falo que terei que andar bastante, que não poderei almoçar com ela pois sairei. Ela desiste de me acompanhar quando explico que terei que pegar ônibus para ir e para voltar.

11:50h:
Após descer 12 andares do metro quadrado comercial mais caro da cidade de São Paulo, já encontro-me dentro do ônibus. Linha que vai para Pirituba.Pergunto ao motorista se ele segue a Faria Lima até o cruzamento com a Rebouças. Como todo motorista na cidade de São Paulo este era muito mal humorado e apenas rosnou, mas deu para perceber que era um sim. Resolvi então encher ainda mais o saco: "Depois da Faria Lima, ele vai para onde? Teodoro Sampaio? Ah tá. Mas ele vira à esquerda ou à direita?" Ele aponta que à direita já muito irritado. Missão cumprida, da Faria Lima para pegar a Teodoro Sampaio só há "mão" para a direita! Quer dizer, agora não sei bem se é a Teodoro Sampaio ou a Cardeal Arcoverde. As duas são paralelas e idênticamente avacalhadas.

12:00h:
Após cruzar quase toda a Faria Lima encontro-me no Largo da Batata. O lugar já era feio e caótico mas agora tudo beira ao Inferno: As obras do metrô linha 4-Amarela, aquela mesma linha do desabamento, faz com que algumas faixas e vias fiquem interditadas. Ao passar ao lado do buraco para obras, ergo a cabeça tentando avistar o "Mega-Tatuzão" que está ali embaixo abrindo passagem sob a terra. Em vão, o ônibus vira à direita, como já me confirmara o irritado motorista. Ah, importante destacar, começa o "Pânico" no rádio. Hilário como sempre.


12:05h
Já na Pedroso de Morais. De cara, um camelô com dezenas de camisas que são a moda no momento: Seu Madruga. Aqui ele caracterizado de Che Guevara, na outra ele é o SuperMadruga, em outra ele é o Homem-Aranha, em outra ele está com uma camisa do Corinthians fazendo um gol. Resisti, não comprei.

12:10h
Cheguei a meu destino. O primeiro dos mais de 8 sebos que ficam em uma única quadra parece ser bom, mas a moça não atende direito. Talvez porque tudo ela tinha que repetir ( no "Pânico" eles iniciavam a entrevista do dia ). Começo a ver os preços e acho tudo caro. Livros do Dostoievski com mais de 30 anos, em bom estado mas por R$20,00? Sei que acharei mais barato. Mas aqui não há livros de Pedagogia nem de Matemática e então não servirá para levar nada à minha esposa. Procuro por clássicos brasileiros e só os encontro quando são de literatura. Nada de História ou Sociologia. Encontro em destaque "Os donos do poder" de Raymundo Faoro. Mas por R$30 e apenas o primeiro volume. Muito caro! Vendo que me interessei pelo título, ela veio falar se me interessava pelo assunto. Dei uma risada de canto e me segurei. Ela não entendeu, ela não estava ouvindo Pânico! Expliquei para ela que sim e então perguntei sobre Raízes do Brasil e Casa Grande e Senzala. Foi ela então que riu: "Estes você só encontra nas livrarias mesmo e novos. Nem adianta procurar". Droga, já são 12:30h, não estou certo em levar nenhum livro e já começa a me dar fome. Anoto alguns preços para comparar:
"O melro, R$ 18, Musil; Entre o passado e o futuro, R$ 20, Hannah Arendt; Auto de fé, R$30, Elias Canetti; Os donos do Poder, R$ 30, Faoro; O grande Gatsby, R$10!!!, Fitzgerald". Vejo por fim que eles têm todos os livros de Malba Tahan. "R$20 em cada um? Neste estado? "

12:40h
Eu ia atravessar a rua para ir a um Sebo grande. Na hora em que pisei no asfalto, o semáforo ali perto abriu e os carros já estavam voando. Tive que voltar e foi então que vi um outro Sebo logo ao lado de onde estava e também enorme. O atendente deve ter me chamado algumas vezes até que eu percebesse. QUando respondi que queria olhar diversos tipos de obras, ele insistiu: "Mas não quer ajuda mesmo? Pode falar que eu acho qualquer assunto". Comecei então a despejar um bocado de autores dos mais diversos segmentos: Montessori, Hayek, Camus, Tolstoi, Dante ( não, não o poeta, o matemático ).
Tudo, quase tudo eles tinham! Eles não tinham "Casa Grande" ou "Raízes do Brasil", mas isto eu já imaginava. O riso da outra vendedora demonstrou muita satisfação, foi como uma vingança pelo meu riso anterior.
Somente de Filosofia o Sebo apresentava mais de duas estantes enormes. A seção de literatura estrangeira era tão vasta que eles deveriam criar subdivisões, senão territorias ( por país ) ao menos por tipo ( poesia, romance, contos e crônicas ). Também a organização era meio caótica: nas prateleiras da letra M eu encontrava Gabriel García Marquez mas também Mário Vargas Llosa. Vai entender!
Quando perguntei sobre religião, ele falou "Qual?", como se me desafiasse. "Cristã!". "Católica ou Protestante?". Vencido, falei que procurava ambos. "Lá em cima, ao lado direito." Lá em cima: Não bastasse a imensidão de livros que já tinha visto, descobri que havia um "lá em cima". Hinduísmo, Budismo, Islamismo, Judaísmo, eles tinham de tudo. Quero dizer, quase tudo, como já disse.
Ao descer as escadas eu já estava cansado. Pior, o vendedor me esperava lá embaixo com uma cara de satisfeito. E só então percebi no tamanho da seção de gibis. Após ter perguntado a ele sobre Kant, Santo Agostinho e Balzac, como poderia estar a perguntar sobre "Groo". INfelizmente eles não tinham nenhuma revistinha do Groo, o mais engraçado herói já criado pela mente humana. Melhor até mesmo que o Dom Quixote, muito melhor. Não tinha Groo mas tinha quase uma centena de edições da MAD. Pena que o preço era alto, R$5 por edição independente de ano ou capa. Fosse mais barato eu compraria algumas. Passar por aquela sessão foi quase uma viagem no tempo, um tempo em que minha mãe comprava a revista MAD, um tempo depois em que eu me tornara colecionador de revistas do X-Men e também acompanhava Homem-Aranha. Eu estava esgotado, aquelas paredes forradas de livros me exauriam. De vez em quando eu ficava satisfeito quando olhava uma prateleira e "Há, já li!". Mas os "Há, já li!" eram raros. Talvez por ter acabado de ler "O nome da Rosa" eu tenha me sentido como o Adso perdido na Biblioteca da Abadia.
Não aguentava mais e para piorar não tinha encontrado o que minha esposa pediu. Para agradá-la, peguei um do Malba Tahan. A mochila já estaria pesadíssima com o que tinha separado. Desisti.
"Confissões, Santo Agostinho; As ilusões perdidas, Balzac; Cyrano de Bergerac, Edmond Rostand; Lendas do Povo de Deus, Malba Tahan; Anna Karenina, Tolstoi; Crítica da Razão Pura, Immanuel Kant". Tudo por R$80. Na verdade R$75 por que paguei à vista. O programa Pânico já estava no fim, sinal que já estava próximo das duas da tarde e que meu almoço já tinha ido longe demais.

14:00h
Já me encontro em um ônibus voltando para o serviço. Surpresa das surpresas, ironia das ironias: Era a mesma linha que me levara anteriormente, mesmos motorista e cobrador inclusive. Desta vez sem piadinhas fui sentar no fundo para descansar e me refrescar. O calor insuportável me fazia suar muito, muito mesmo. Fui almoçar no McDonald's que fica quase em frente a meu local de trabalho. Bendito sejam os McDonalds pois neles você sacia sua fome muito rapidamente. Bendito sejam os McDonalds pois a temperatura ali é baixíssima e serviu para secar todo meu suor. Ouvi dizer que no McDonald´s em que estava os primatas da UNE fizeram protesto comendo bananas no dia da visita de Bush. Saber que UNE odeia o Mc me faz gostar ainda mais dos sanduíches.

Enquanto retorno ao serviço, começo a me lembrar de todos os livros e autores que não pesquisei. "Droga, da próxima vez faço uma lista e não perco tempo". O dia passa voando.

São Paulo, segunda-feira, 12 de março de 2007, 17:20h:
Está quase na hora de ir embora e chego então ao grande problema de todo o dia: Qual deles começo a ler?

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