Crônicas do "Da C.I.A"

Thursday, May 14, 2009

A tocaia de "32" de Dezembro ( Jorge Bornhausen )

Originalmente em http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/fz1101200509.htm

A imagem de um cangaceiro à espera de sua vítima, embrenhado na caatinga, fazendo mira com a espingarda montada numa forquilha de graveto é menos primitiva e covarde do que o sistema de aumento periódico de impostos do governo Lula.
Pelo menos, foi assim no lusco-fusco do fim de ano em 2004. O ato que acabou somente publicado em 2005, evidente fraude, pois espichou o calendário para "32" de dezembro, foi pura tocaia. Aproveitou um momento de distração nacional e zás, atirou. Ainda por cima arbitrando a data que quis para o "Diário Oficial", ilegalidade que a Justiça bem que poderia punir!
Foi assim que o presidente da República atingiu os cidadãos contribuintes com uma carga de aumento de impostos da maior irresponsabilidade e covardia. O dispositivo pegou carona na mesma MP 232/2004 anunciada -e que, como tal, devia ser celebrada- para corrigir a tabela do Imposto de Renda, que estava extorquindo os trabalhadores.
A tocaia tributária que foi a MP 232 é um desses golpes que desmoralizam qualquer estrutura jurídica, um retrocesso em técnica legislativa. Equivale a um contrabando -lembra a idéia de fazer passar sorrateiramente alguma coisa sem pagar tributos à discussão e maturação de um projeto de lei-, e foi essa a imagem que usei quando apareceu o primeiro repórter me perguntando sobre o fato. Respondi, sem hesitação, que o governo, aproveitando a medida provisória destinada à correção da tabela do Imposto de Renda, contrabandeou -o verbo é adequado à qualidade moral da manobra- um artigo, elevando de 32% para 40% a base de cálculo para prestadores de serviços.
A MP traz outros aumentos oportunistas, mas naquele momento limitei-me a comentar esse aumento escandaloso.
Tocaia, contrabando, esperteza, malandragem, covardia. As qualificações não são gratuitas, mas uma associação natural da medida provisória 232 ao primitivismo e violência da política tributária do governo.
A fúria arrecadadora está explorando, temerariamente, um momento de relaxamento da economia favorecido pela conjuntura internacional. Ou há alguém que esteja se deixando enganar pela propaganda ufanista com que o governo se atribui ter produzido o boom das exportações agrícolas, quando ele só sufocou a agricultura com impostos e maus-tratos?
Com essa ação, pode-se estar criando um peso insuportável para nossa competitividade. Quando os preços se ajustarem, como já está começando a acontecer com muitas dessas commodities, entre as quais a soja, o peso insuportável da carga tributária nacional pode ser fatal. O governo do PT, na sua mediocridade, é imediatista e não liga para o amanhã, confiante no seu arsenal de espertezas.
Tocaia, contrabando ou o que seja, não há como avaliar compreensivamente a política fiscal brasileira. Nem seu método confuso. Aliás, tornou-se regra: quando se anunciam benefícios, vai-se ver, houve de fato um novo aumento da carga tributária. Quando anunciou a desoneração do PIS/Pasep para exportações, o governo Lula subiu a alíquota interna de 0,65% para 1,65%. Quando anunciou a desoneração da Cofins para exportações, aumentou de 3% para 7,6%.
Agora, na MP em que fez discreta correção de 10% da tabela do Imposto de Renda -que deveria ter sido, no mínimo, de 17%, considerando a defasagem nesses dois anos do governo petista-, o contribuinte foi achacado com a elevação da base de cálculo de 32% para 40%, escandaloso aumento de carga tributária em 25%! Na última tocaia, tinha subido de 12% para 32%. Agora, foi para 40%.
Minha indignação se amplia por uma frustração pessoal: sou autor da proposta de criação do Código de Defesa do Contribuinte, que, se estivesse vigorando, impediria esse triste episódio de tocaia tributária. O código (já com pareceres favoráveis nas comissões de Assuntos Econômicos e de Constituição e Justiça do Senado) estabelece justa punição para fraudes como foi a publicação dessa medida provisória, que, embora datada de 30 de dezembro de 2004, somente circulou efetivamente na edição extra do "Diário Oficial", publicada já em 2005. Como se o ano de 2004 tivesse prosseguido num fantástico 32 de dezembro...

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