Serra e a favela na serra - Revista Piauí, Ed 5
Originalmente na Revista Piauí, 5a edição
Mário Sergio Conti
A má notícia fez o governador perder o sono (o que lhe é fácil) e acordar bem cedo (o que é raro). Despertou sem despertador e telefonou para o secretário da Habitação, o engenheiro Lair Alberto Krähenbühl. Disse-lhe que fizesse uma pesquisa com os moradores das favelas. Para saber de onde vieram, quem são, se e no quê trabalham. "São informações essenciais para que possamos tirar essas pessoas de lá", disse.
Krähenbühl botou uma equipe de pesquisadores em campo. Conseguiu também com que a polícia realizasse um trabalho de espionagem nas áreas recentemente ocupadas por barracos. Os dados de que dispõe ainda estão incompletos. Mas ele já sabe um punhado de coisas - todas alarmantes. Por exemplo, que a instalação de barracos na serra se acelerou brutalmente nos últimos tempos. Desde 2005, dobrou a população favelada do Parque Estadual da Serra do Mar, sobretudo nos arredores de Cubatão. Haveria hoje algo como 13 mil famílias instaladas em zonas de mata nativa.
Outro dado: a criminalidade é rompante nas novas favelas. "Há tráfico de drogas pesado e um contrabando para lá de esquisito", diz Krähenbühl. Por "esquisito" entenda-se que a mercadoria chega em grandes quantidades, vinda do porto de Santos, é dividida em pequenas porções nas favelas e delas segue para a capital, onde é redistribuída. A maioria dos moradores da serra trabalha em Cubatão. Quando encontra trabalho, é no setor informal. Os novos favelados, em resumo, são gente paupérrima, que se submete a morar no meio de criminosos, em casebres sem água, esgoto e gás encanado.
Por fim, há o problema dos acidentes. Algumas das novas ocupações, como a de Pé de Galinha, ficam junto a viadutos de rodovias - no caso, no entroncamento da Imigrantes com a Padre Manoel da Nóbrega. "As construções, que são frágeis, podem provocar erosões junto aos alicerces, colocando as estradas em risco", disse o secretário da Habitação. "No limite, as favelas podem interromper o tráfego do maior corredor de exportação do Brasil, a Imigrantes", completou. Não é à toa que o governador perca o sono.
Como foi possível que a favelização tenha sido tão rápida quanto silenciosa, que cerca de 20 mil pessoas tenham se instalado na serra em apenas meia-dúzia de anos? A responsabilidade maior é dos governadores do período, Mario Covas e Geraldo Alckmin. Políticos, em geral, não gostam de mexer com favelas. Tanto que o secretário Krähenbühl desconfia de que alguns dos núcleos foram criados diretamente por vereadores de Cubatão, para neles engordar seus currais eleitorais.
Depois que as favelas se instalam, a tendência delas é crescer. A remoção fica praticamente impossível. Todo mundo é contra, dos políticos à igreja, passando pelo grosso da imprensa e pela opinião pública, que preferem os paliativos da "urbanização" à retirada pura e simples dos favelados. Não é essa a posição de José Serra. "As pessoas têm que sair de lá", disse ele. No raciocínio do governador, a aceitação da privatização na marra seria uma irresponsabilidade, um atentado ao patrimônio natural do estado e um desrespeito aos próprios favelados.
O secretário Krähenbühl, que nos anos 90 foi secretário da Habitação do então prefeito Paulo Maluf, esboçou um plano de remoção. O projeto começa com o truísmo de que a remoção por meio da força militar é inviável ("o lacerdismo dos anos 50 acabou", diz ele). Passa pela avaliação de que é preciso que os próprios favelados impeçam o crescimento dos núcleos ("eles devem fazer um censo, para organizar a transferência"). E termina com a pregação de que é necessário construir conjuntos habitacionais ("ninguém sai de uma casa de graça, sem a perspectiva de ir para outra melhor").
Há dois elementos essenciais para que o plano possa ser levado a bom termo: dinheiro e política. Quanto ao primeiro item, Serra determinou que uma verba de 300 milhões de reais seja usada na remoção dos favelados e na reestatização das matas. Quanto ao segundo, o governador ordenou que seis secretarias de Estado funcionem de maneira coordenada - para saber quem são os favelados, quem os apadrinha, quais são as forças criminosas em ação na área, e quais são os interesses econômicos envolvidos na proliferação dos barracos.
Terminado o jantar, Serra fez um tour com os convidados pelo Bandeirantes. O estilo do palácio, neoclássico, é pesadão, sem graça.
Reflete a época em que começou a ser construído, há meio século, num terreno da família Matarazzo, para sediar uma universidade. Na ocasião, o bairro do Morumbi era campo, com, aqui e ali, diversos bosques de mata atlântica. Hoje, no mesmo Morumbi, a pouco mais de mil metros do Palácio dos Bandeirantes, fica a favela de Paraisópolis. Ela tem mais de 80 mil habitantes e é uma das mais violentas da cidade.